terça-feira, 20 de abril de 2010

A vendedora de enciclopédias

Hoje eu lembrei de uma pessoa que vi uma única vez na vida, numa tarde perdida nos anos noventa, uma vendedora de enciclopédias, vendia porta-a-porta, acho que o nome dela era Elisângela ou Rosângela, algo assim com angela no final, tinha o cabelo loiro escuro quase castanho claro, na altura do queixo, sua altura era a mesma da minha mãe, um metro e meio mais ou menos, dentes perfeitos, sorria bastante, era muito simpática a tal de Ângela, estava de calça jeans.
Eu tinha uns dez anos no dia que ela bateu na porta de casa, minha mãe retribuindo os sorrisos convidou a moça para entrar, tomar uma água e explicar mais sobre o seu produto. Tinha panela no fogo. Era hora do almoço, a panela de pressão chiava no fogão, o cheirinho de comida fresca se espalhava pela casa, prendemos o cachorro, minha irmã e eu sentamos na mesa com pose de gente grande, refletindo que aquele assunto muito nos interessava, foi aí que a moça desatou a falar da coleção, da enciclopédia, com mais de vinte livros. Vinte e cinco livros!
Eu lembro que prendi os olhos naquela mulher, igual criança descobrindo pornografia, ela tinha um carisma de artista, uma bondade com as palavras, e falava tão apaixonada por aqueles livros, os vendia como se adquiri-los fosse um ato para o bem da humanidade.
Foi questão de dez minutos pra gente começar a fazer olhinhos de quero muito, pedindo pra minha mãe comprar. A moça já estava chegando na parte dos valores quando minha mãe, muito delicada e sensível, convidou Ângela pra almoçar e a ligeira aceitou de primeira, o assunto deu uma pausa ali. Ângela comeu satisfeita elogiando muito a comida, minha mãe que odeia qualquer elogio, logo se derreteu pela vendedora. Que esperta essa Ângela.
Depois do almoço, partimos para os finalmente. Bom, elas partiram, eu só tinha dez anos. Valores, formas de pagamento. Parcela? Sim, claro, como não. Fechado? Fechado. Minha mãe assinou uns papeis amarelos lá, que depois eu fiquei sabendo que eram notas promissórias. Foi a única vez também que eu me lembro de ter visto nota promissória em uso. Ficamos a tarde toda com a Ângela, lembro que ela até jogou videogame, um Atari 2600, eu tinha os jogos Enduro e o RiverRide naquela época, era um tesão jogar, descobrir novas fases.
Uma perua passou pra deixar os livros, pegar a Ângela e as promissórias. Ela entrou na kombi dando tchau pra gente e conversando com o pessoal de dentro do carro, tudo ao mesmo tempo, mas atenciosa com todo mundo. ela foi embora feliz da vida, deixou saudades aquela danada, que boa pessoa a Ângela. Lá se foi ela, dobrando a esquina. Perguntamos pela Ângela pra minha mãe uns dias seguidos. Como se elas tivessem virado amigas. Que ingenuidade.
Os livros da simpática vendedora de enciclopédias foram a sensação dos trabalhos escolares, a bibliografia ficara mais rica, qualquer dúvida era pra lá que corríamos, isso por alguns anos, porque depois o livro começou a parecer menos interessante, aquela coleção que havíamos comprado estava menos confortável de usar, menos chamativa, menos carismática que Ângela, que nos vendeu. O que é normal nos editoriais.
Criança adora um show, um mimo, e foi exatamente isso que aconteceu, aquele dia Ângela nos fez ficar encantados pelos livros através dos sorrisos, e me fez lembrá-la hoje no futuro. Será que esses livros existem ainda? Vou procurá-los, ainda bem que você apareceu vendedora de enciclopédias.

Um comentário:

  1. Há pessoas que se tornam eternas em algumas horas né.rs

    Já aconteceu comigo tb... carismas cativantes.

    Legal que lembrar dessa história te ajuda no presente tb, relações mais próxima com as pessoas. Marketing de Relacionamento (td bem que único nesse caso.rs). Que existiam negócios diferentes, distantes da internet.hehe. Te faz pensar. Lembrar.

    Ainda bem que essas pessoas aparecem.

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